Ato Penitencial

No início da Celebração Litúrgica, após a Saudação é recitado o Ato Penitencial. Há diferentes fórmulas, inclusive algumas cantadas, mas nestas considerações quere me concentrar naquela mais tradicional, vejamos:

      “Eu pecador...”

      Ao pronunciarmos ‘Eu’ assumimos a responsabilidade sobre o que vamos afirmar, sou eu e ninguém mais que afirmo ser pecador. Mas, o que é ser pecador? É alguém que transgride uma lei, mas não uma lei qualquer; não uma lei estabelecida pelos homens, mesmo que seja uma lei eclesiástica; não a lei natural, mas a lei do Amor, que se concretiza no diálogo entre ‘eu’ e Deus.
       Confessando-me pecador, afirmo ter cometido pecados. Mas, o que é o pecado? A resposta é clara, toda e qualquer transgressão a lei do Amor. Mas, todos os pecados são igualmente graves? Não dependendo de sua natureza são mais ou menos graves, sua gravidade depende de três fatores igualmente importantes, 1) a matéria da transgressão deve ser considerável, 2) deve haver plena consciência, do que se está praticando e, 3) deve ser praticado com plena liberdade.
         Não vamos perder tempo em listar os diferentes tipos de pecado pela sua gravidade, isto seria inútil e mesmo enganoso, pois estaríamos julgando com nossa perspectiva, quase sempre falsa. Vamos refletir sobre como o homem ofende a Deus?
         Seria através de uma blasfêmia? Conhecido é o fato narrado por S. Kierkegaard, sobre a blasfêmia pronunciada solenemente por seu pai num momento de desespero. Teria Deus sentindo-se ofendido? Não creio, antes teria perdoado. Mas, o fato da blasfêmia influenciou toda a vida do pai de Kierkegaard, bem como a do próprio filósofo. Não, não é com ofensas diretas que pecamos contra Deus, mas quando pecamos contra nossos irmãos, principalmente contra os mais rejeitados; é fácil encontrarmos nos evangelhos passagens nas quais Cristo se identifica com o pobre, com o oprimido, com o sofredor.

       E o chamado pecado contra o Espírito Santo? O único que não tem perdão? Por mais que procurasse, nunca encontrei uma explicação que me satisfizesse. Talvez, a rejeição, até o momento da própria morte, da salvação que é oferecida pelo Espírito Santo, a escolha definitiva e irrevogável da própria perdição.        
    
        “...me confesso a Deus, todo poderoso e a vós irmãos e irmãs...’

     Declaro-me pecador em primeiro lugar a Deus, a quem devo minha existência e tudo o que sou e tenho; mas declaro-me pecador também aos meus irmãos, primeiramente àqueles com quem convivo e aos quais muitas vezes ofendi.
      Também incluo entre meus irmãos e irmãs, representados por aqueles que comigo participam da mesma celebração, também os que são membros da mesma Igreja, existente no mundo inteiro.
       Incluo também os não cristãos e, até mesmo os ateus e materialistas, que através da união mística (conscientes ou não) fazem parte do mesmo Corpo Místico de Cristo. Afinal Cristo morreu por todos os homens.
        Finalmente incluo todos os que já morreram exceto os que livremente escolheram sua própria perdição, e os que ainda irão nascer para a honra e glória do Senhor.   
        Após tendo-me, pela oração, unindo-me a Deus e a toda a humanidade, passo a concretizar a confissão de meus pecados.

        ‘’...que pequei muitas vezes por pensamentos, palavras, atos e omissões...’

       Afirmo ter pecado não uma, mas muitas vezes e de muitas maneiras que resumo em quatro espécies diferentes: pensamentos, palavras, atos e omissões. Focalizemos rapidamente cada uma destas maneiras de se pecar.

1 – pecado por pensamento: antes, porém vejamos a diferença entre pecado e tentação, porque muitos porque são tentados já pensam estarem pecando. Não é bem isso o que acontece, todos são tentados, mas muitos vencem as próprias tentações. “Afinal até Cristo foi tentado, mas venceu todas as tentações.”
         Antes de prosseguirmos com nossa análise, gostaríamos de advertirmos acerca de duas doenças terríveis que chegam a matar toda a vida espiritual e abalar o psiquismo de quem as contrai: o laxismo e o escrúpulo. Pelo laxismo a pessoa pensa que nada é pecado, tudo é permitido, principalmente no que diz respeito a si próprio, pois quanto se fala de outrem, o laxista é muito severo. As pessoas escrupulosas veem pecado em tudo, não acreditam na salvação, pensam caminharem rapidamente para a própria perdição. Em ambos os casos, um diretor espiritual que haja com amor e com severidade pode ajudar os penitentes a encontrarem a cura espiritual e o equilíbrio psíquico.
         Pecar pelo pensamento são pecadinhos leves fáceis de serem evitados e não tem grandes consequências, é o que muitos pensam. No entanto, basta lermos com atenção os ensinamentos de Cristo para verificarmos que este não é o seu pensamento; ao contrario Cristo dá mais valor ao interior do que as aparências. Aos fariseus que se escandalizavam por seus discípulos não seguirem as normas farisaicas, Ele ensina que não é o que entra no corpo do homem que o torna indigno, mas o que dele sai: as fornicações, os assassinatos, as injustiças, enfim tudo o que é errado é planejado no interior antes de ser posto em prática. Portanto devemos vigiar os nossos pensamentos, pois podem ter consequências desastrosas e incontroláveis.    

2 – pecados por palavras – A comunicação nunca esteve tão em evidência como nos dias de hoje. A civilização de nosso século é gerida pela comunicação, é a mídia, cinema, rádio, televisão, jornal que nos informam sobre os acontecimentos do mundo inteiro. Mas a mídia não se limita a informar, ela também forma e deforma nossa mentalidade, tornando-nos escravos da informação e da opinião dos poderosos anônimos, que também eles são escravos de Ninguém.
        Pois bem, hoje mais do que ontem precisamos nos alinhar com a verdade, com o respeito e com a justiça para que nossas afirmações não causem problemas de âmbito até mesmo universal. O que dizemos, quando levados à mídia pode denegrir a reputação de uma pessoa e causar até mesmo a morte de inocentes. É a velha calúnia que se torna mais poderosa com as armas da informática. Uma simples mentirinha pode não ter muitas consequências, mas é melhor estarmos sempre protegidos pela Verdade.

3. – Pecados por atos – ‘É de pequeno que se torce o pepino’, este velho ditado popular vem bem a calhar; pois, quando ficamos sabendo de um assalto de grande proporção ou de uma chacina, se formos tomar conhecimento da história dos personagens, verificamos que em criança, já estavam acostumados a pequenos roubos ou a brigas nas ruas e, não foram corrigidos. Os pequenos atos ilícitos ou as pequenas agressões são as sementes para crimes horrendos e monstruosos. Mais do que isso, as próprias guerras e confrontos entre nações, grupos raciais ou mesmo religiosos não aconteceriam se os espíritos fossem devidamente desarmados. Proibir a fabricação e limitar o uso de armas é importante, mas não basta, é preciso orientar o homem para a fraternidade, a paz e o amor e, isso só é possível através da educação desde a mais tenra idade e do combate a todo vício e a todo ato pecaminoso.

4. – Pecados por omissão – Quem se contenta em evitar todo o pecado seja ele por pensamento, por palavras e por atos e pensa estar caminhando decisivamente para a Santidade, se engana.
       Evitar o pecado é importante, mas é só o começo. É preciso mais, é preciso deixar tudo o que tem e distribuir aos pobres, foi o que disse Cristo ao jovem rico que queria alcançar a perfeição. É preciso também esquecer a si mesmo e entregar-se ao outro por amor de Cristo, pois ‘quem quiser salvar sua alma perdê-la-á, quem a perder por meu amor salvá-la-á.’ São palavras de Cristo.
      Peca por omissão aquele que nada ou, pouco faz pelo seu irmão; aquele que é indiferente ao sofrimento do próximo; aquele que não luta contra a injustiça e não promove o amor.
       É preciso agir na busca da concretização do Reino de Deus, mesmo correndo riscos. É preferível agir, mesmo pecando, do que não pecar, mas lavar as mãos como Pilatos. Não esqueçamos que Cristo disse “Prefiro os frios aos mornos, porque os mornos vomito de minha boca.”

“....por minha culpa, minha culpa, minha tão grande culpa...”

     Reafirmo que os pecados por mim cometidos, o foram exclusivamente por minha culpa e assumo toda a responsabilidade.

      ‘...e peço e rogo a Imaculada Virgem Maria, aos anjos e santos e a voz irmãos que rogueis por mim a Deus, Nosso Senhor.”
      
      Tendo confessado meus pecados e assumido exclusiva responsabilidade por meus atos, só me resta pedir perdão. Mas para tal procuro ajuda primeiro de Maria, a mãe de Deus e minha mãe, rainha dos céus e a toda a corte celeste, depois aos meus irmãos que participam comigo da celebração e por extensão a todos os membros do Corpo Místico. É com esta mística união na oração que adquiro forças para pedir a Deus “Pai, perdoai-me”.


    Observação: O ato penitencial não é um sacramento, mas nos prepara para melhor participarmos da Eucaristia.