Caminho, Verdade, Vida

1. - O Caminho

     Este tema “O Caminho” foi tratado inúmeras vezes e sob diferentes perspectivas por diferentes pensadores e tradições religiosas e filosóficas, tanto no Ocidente como no Oriente. Vamos tratar brevemente de algumas destas tradições, as que nos parecem ser mais pertinentes em relação ao nosso objetivo. 

     1.- O “Tao”, noção central do pensamento taoista tem sido traduzido no ocidente por Caminho, mas seu significado nada tem a ver com o que costumeiramente entendemos por caminho. O Tao Te Ching, livro que nos fala do Tao não originou o seu conceito, pois já era de uso corrente antes da escrita do mesmo.
    O sentido do Tao é localizado no primeiro provérbio do Tao Te Ching. “O Tao que pode ser dito não é o Tao verdadeiro” O Tao Te Ching situa a origem de todas as coisas no Tao (Caminho, Senda), que longe do conceito de Deus nas religiões deístas, é um princípio inimaginável, inenarrável, eterno e absoluto, que não pode ser compreendido.  
     Os seres devem viver vidas simples, sem grandes questionamentos morais ou filosóficos, onde se enfatize o “não agir (wu wei)”, isto é, deixar-se guiar pelo curso natural e lógico dos eventos do universo.
     Tao é normalmente traduzido como Caminho ou Via, Mas, tentar compreender o Tao em termos de conceitos ou palavras não nos permite penetrar em seu mistério, pois no Tao o caminho não se distingue do caminhante ou do caminhar. Não há Criador. O universo (o Céu e a Terra) apareceu (e aparece continuamente) a partir do Tao primordial. O que existe aparece do que não existia antes e é eterno. O Tao manifesta-se continuamente no fluxo e refluxo constante de todas as coisas que existem e que foram criadas pela sua atividade.
     Estamos no domínio do “sem nome”, do vazio indiferenciado que nunca pode ser exausto ou descrito. Depois quando emerge a consciência e o pensamento, que tem por base a linguagem, passamos ao domínio “do que tem nome” e vemos então todas as coisas diferenciadas, cada uma com o seu nome. É com o aparecimento dos nomes que aparecem todas as coisas e o Um se transforma em muitos.
      A Virtude (Te) é a manifestação do Tao através da sua misteriosa operação: o chamado “agir não agindo” – a ação involuntária que caracteriza a natureza das coisas “O modo do Caminhar”.
Observação; As reflexões acima sobre o taoísmo baseiam-se no tópico “Tao Te Ching” da Wikipédia, a enciclopédia livre.

     2. - “Na análise de Buda sobre o mistério da vida, toda a existência se resume em sofrimento. A causa do sofrimento é o desejo; quando o desejo cessa, o sofrimento também cessa. Assim, Buda indicou o caminho para dominar o desejo.” (Biblioteca Adventista de Pesquisas).
     Para escaparmos da sucessiva e interminável sucessão de renascimentos (Sansara), provocada por nossas ações em vidas passadas (Lei do Karma) e alcançarmos a libertação (Nirvana), Buda nos ensina o Nobre Caminho Óctuplo que constitui a quarta nobre verdade do budismo. Também conhecido como o “caminho do meio” porque é baseado na moderação e na harmonia, sem cair nos extremos.
     A Nobre Verdade do Caminho que conduz a cessação do sofrimento é o Nobre Caminho Óctuplo, que é uma técnica usada para erradicar a ganância, o ódio e a ilusão. No budismo e em muitas outras tradições quer orientais, quer ocidentais, Caminho se refere a atitudes e virtudes que auxiliam o homem a vencer o mal que se enraíza em si próprio e o ajuda a equilibrar a sua personalidade e encontrar a felicidade.

     3. - Na Antiga Grécia, entre os pré-socráticos, enquanto Parmênides enfatizava o Ser, perfeito e imutável; Heráclito focalizava seu pensamento no vir-a-ser, realidade dinâmica e sempre em constante mudança, como que num caminhar em busca da perfeição, nunca alcançada estaticamente, mas realizada no puro realizar-se do ser concreto. “O homem não se banha duas vezes no mesmo rio” nos ensina Heráclito.      

     4. - O Evolucionismo que se faz presente no pensamento moderno e no contemporâneo mostra-nos o caminhar através do tempo dos seres para um estado cada vez mais complexo e perfeito. Enquanto Darwin limita o princípio à evolução dos seres vivos. Herbert Spencer torna essa lei extensiva a todas as formas do devir cósmico, da vida, da sociedade e da cultura.
     Para Spencer as relações são de duas ordens: relações de sequência e relações de coexistência; a concepção abstrata de todas as sequências é o tempo; a concepção abstrata de todas as coexistências é o Espaço.
    Bérgson nos ensina que o conhecimento intuitivo, ao contrario daquele abstrativo, nos permite ter conhecimento dos fatos no seu realizar-se, não é estático, mas dinâmico. O conhecimento intuitivo permite-nos coincidir com o próprio Élan vital, no qual tudo é movimento, tudo é dinamismo evolutivo e criador.
     Em “Les deux sources...” a intuição espiritual aparece prolongada na intuição mística. O termo do misticismo é um contato, e, portanto uma coincidência parcial com o esforço criador da vida.       
    Com Teilhard de Chardin, as teorias evolutivas ganharam uma nova dimensão, a espiritual. Para Chardin, além de seu aspecto exterior e visível, os entes possuem um aspecto interior, que chamaremos de dentro da matéria. No fenômeno da evolução, Chardin constata não só a existência de forças ambientais (tangenciais) que estão fora para modificar as coisas; mas também, de forças interiores (radiais) que as conduzem à nova complexidade.
    Segundo Teilhard a evolução não procede de uma maneira cega e casual, mas tem uma direção e uma meta. É regida pela lei da complexidade e da conscientização crescente, desde o caos primordial até o despertar da consciência humana sobre a terra, estágio este que será seguido por uma Noogênese, a integração de todo o pensamento humano em uma única rede inteligente que acrescentará mais uma camada em volta da terra: a Noosfera, que recobrirá toda a Biosfera terrestre. A orientar todo esse processo, existe uma força (a energia radial) que age a partir de dentro da matéria, que orienta a evolução em direção a um ponto de convergência o Ponto Ômega.

    5. - Agepê interpreta muitas e belas músicas, entre elas há uma de que eu gosto muito e vai nos ajudar no restante de nossa reflexão. Ela começa assim:

Moro onde não mora ninguém
Onde não passa ninguém
Onde não vive ninguém
É lá onde eu moro
E eu me sinto bem
 Moro onde moro...

     Onde é esse lugar misterioso onde não mora ninguém? É o nosso próprio “eu”, no qual eu me refugio solitário com meus sentimentos e pensamentos e, me sinto bem porque não há nada nem ninguém para me contrariar ou questionar, assim levo uma vida pacata e sossegada. Esta vida, porém, torna-se enfadonha e impede o criar e o desenvolver de minha personalidade, tornando-me semelhante a um objeto.
     É necessário reagir, assim deixo minha acomodação e inicio uma caminhada em busca de algo novo. Os caminhos são muitos; alguns largos e confortáveis, bem sinalizados e asfaltados; outros estreitos, mal sinalizados e de terra; outros ainda simples picadas abertas no meio da mata. Mas, todos com o mesmo objetivo levar o caminhante de um lugar (origem) para outro (destino). O lugar de origem nos o conhecemos bem, mas, o de destino sempre nos reserva alguma surpresa, quando não é totalmente desconhecido.
     Iniciada a caminhada vemos a paisagem com sua beleza e nos admiramos, mas, encontramos também o que não é belo, mas feio e triste. Ao ver tanto a beleza, como a fealdade aprendemos muita coisa, pois o trajeto sempre nos mostra novidades.
   Ao caminharmos encontramos muitas coisas que nos ajudam e de que precisamos: a sombra das árvores, para descansarmos; a água de uma cascata para matarmos a sede; frutos deliciosos, para saborearmos; pássaros e animais para nos deleitarmos com seus cantos ou com suas brincadeiras e muito mais. Mas, também há obstáculos: uma enorme pedra que fica em nosso caminho e que é preciso ser retirada ou que a contornemos para podermos prosseguir; plantas venenosas que poderemos ingerir inadvertidamente ou por ignorância; animais selvagens e traiçoeiros e outros perigos. Nas auto-estradas são outras coisas que nos ajudam e outros os perigos, mas eles existem.
      Durante o percurso, outras pessoas vêm juntar-se a nos em nossa caminhada. Alguns nos acompanham apenas por algum tempo e logo nos deixam ou em uma encruzilhada seguindo outro caminho ou em uma cidade para onde se dirigiam; outros prosseguem caminhando conosco por muito tempo e muitas vezes com estes entabulamos conversações. Muito importante é a presença de outros ao nosso lado, enquanto caminhamos: uns apenas passam por nós e permanecem estranhos; outros nos questionam, nos aborrecem e até mesmo nos perseguem e prejudicam, destes queremos distância; outros ainda nos são simpáticos, nos ajudam e com eles iniciam-se relações de amizade, com eles tornamo-nos solidários.    
      No caminhar de nossa vida muitos são os objetivos que procuramos alcançar, como se fossem as paradas ao longo de uma caminhada. Entre estes objetivos uns querem adquirir um imóvel; outros fazer uma viagem ou frequentar uma Universidade ou simplesmente terem momentos de recreação.
Estes objetivos quando alcançados não esgotam todos nossos desejos e não preenchem nossas vidas; procuramos outros objetivos. Há aquelas metas mais duradouras e que empenham todo o nosso ser e a nossa vida, por exemplo, o matrimônio ou o ingresso numa congregação religiosa.
     Mas todos estes objetivos, desde os mais simples até os mais solenes e decisivos são relativos e apontam para o objetivo final de toda a caminhada.
     O Caminho por nos escolhido, seja ele qual for sempre tem uma meta definitiva, o termino onde tudo se completará. Esta meta é o reencontro consigo mesmo. É a auto-realização, que devemos alcançar por nos mesmos, mas não temos força para tal, precisamos da ajuda, da compreensão e do apoio de nossos irmãos.
     Aquele que deixou a tranquilidade de sua morada, onde (como diz a letra da música) não mora ninguém para se aventurar num Caminho desconhecido que o levaria à auto-realização, encontra-se diante de um paradoxo, pois deverá reencontrar-se na Solidão e na Solidariedade.

2. - A Verdade

      1. - Para procedermos nossa reflexão sobre a noção de verdade iniciemos por considerar esta noção no Hinduísmo.
      O Hinduísmo engloba diferentes tradições culturais, sociais e religiosas que se originaram no subcontinente Indiano; baseia-se em textos religiosos desenvolvidos por vários séculos e entre os quais, os Vedas são considerados os de maior autoridade.
     Talvez o espírito hindu possa ser mais bem compreendido nos Rig Veda, “a mais antiga escritura religiosa do mundo”, onde encontramos a seguinte afirmação:
“A verdade é única, embora os sábios as conheçam como muitas.”
- Rig Veda ( Livro I, Hino CLXIV, Verso 46)
     Muitas foram as correntes e escolas de pensamento que se originaram na Índia, dentre estas destacamos as seis escolas ortodoxas hindus (darsanas) por aceitarem a autoridade dos Vedas. São elas Nyaya, Vaisheshika, Sankhya, Yoga,
Purva Mimansa e Vedanta. Estas escolas apresentam muitos pontos divergentes, mas, todas concordam em aceitar a autoridade dos Vedas. Houve outras escolas que rejeitaram esta autoridade, por isso são consideradas heréticas ou heterodoxas, é o caso do Budismo, do Jainismo e do Lokaiata (materialismo). 
Gostaria também de citar o Sikismo, religião fundada pelo Guru Nanak, visando superar as diferenças entre hindus e mulçumanos, embora sua origem seja bem mais recente.
     O que pode ser compreendido como uma crença comum a todos os hindus são o Dharma, a reencarnação, o karma, e a moksha (liberação) de cada alma através de variadas ações de cunho moral e da meditação yoga. A grande maioria dos hindus acredita que a verdade, a realidade é Brahman, sendo o mundo fenomênico puro ilusão provocada por “Maya”.
     O principal objetivo da escola Mimansa era estabelecer a autoridade dos Vedas; seus aderentes acreditavam que a revelação deveria ser provada através da razão, e não aceita como um dogma cego. Entre seus seguidores destacam-se Sankaracharya e Swami Vivekananda.   
     Na interpretação da realidade são diferentes as concepções entre as seis escolas (Darsanas) védicas: a escola Vedanta se dividiu pelo menos em três ramos: Advaita Vedanta (Puro Monismo), Vishistadvaita Vedanta (Monismo Qualificado) e Dvaita Vedanta (Dualismo).
     Shankara, consolidador do Advaita Vedanta baseado nos ensinamentos dos
Upanishadas e de seu guru Gaudapada expos a natureza relativa do mundo e estabeleceu a realidade não dual na qual Atman (a alma individual) e Brahman (a realidade última) são absolutamente identificados.   
     Ramanuja foi o principal proponente do Vishistadvaita Vedanta. Ele ensinou que a realidade última possui três aspectos: Ishvara (Vishnu), cit (alma) e acit (matéria). Vishnu é a única realidade independente, enquanto alma e matéria são dependentes de Deus para sua existência.
     Madhva identificou Deus com Vishnu, mas sua visão da realidade era puramente dualista, pois ele compreendeu uma diferença fundamental entre o Deus supremo e a alma individual, e o sistema denominado Dvaita.
     O Sankhya foi compilado por Kapila e postula duas realidades eternas, constituintes definitivas do mundo “purusha e prakriti”. Purusha é o macho, princípio animador da natureza princípio puro da consciência, espírito universal.
Prakriti, a procriadora, é a matéria evolutiva ou substância cósmica que contém todas as virtudes seminais do mundo.
     O sistema Yoga é geralmente considerado ter surgido da filosofia Sankhya e é baseada no Yoga Sutra (texto de Pantajali). A realização do objetivo da Yoga é  chamada “moksha ou samadhi”. A busca do despertar e da compreensão de Atman como sendo nada mais que o infinito Brahman; sendo que o único alvo de suas práticas é a “verdade suprema”.
     Udayana, autor de importantes comentários ao Nyaya e ao Vaisheshika, sendo-lhe atribuída a primeira tentativa para conciliar estas duas escolas, sustenta a doutrina de um Deus pessoal, artífice do Universo, o qual, para ele, é o adorável Xiva. Para Udayana Deus ordena a permanência e a destruição cíclica do cosmos, operando através da lei do Karman e da reencarnação, intervém também na existência humana. Udayana ensina que a autoridade dos Vedas fundamenta-se na revelação de Deus.
     As reflexões acima nos mostram a grande diversidade existente nas referentes interpretações e perspectivas na busca da verdade, restringindo-nos apenas as doutrinas ou darsanas ortodoxas do pensamento hindu. Mas, a procura da verdade não é exclusiva do hinduísmo, ela é universal.       

     2. - Na Grécia Antiga, entre os sofistas a verdade tem um caráter relativo, tendo Protágoras afirmado que “o homem é a medida de todas as coisas”.
     Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contato permanente com duas realidades: a inteligível e a sensível. A primeira é a realidade, mais concreta, permanente, imutável, igual a si mesma. A segunda são todas as coisas que afetam os sentidos, são realidades dependentes, mutáveis e são imagens das realidades inteligíveis. Sob a influência de Sócrates Platão buscava a verdade essencial das coisas, mas, não poderia buscar a essência do conhecimento nestas mesmas coisas, pois estas são corruptíveis; como filósofo deveria buscar a verdade plena, deveria buscá-la em algo estável, as verdadeiras causas, pois logicamente a verdade não pode variar, se há uma verdade essencial para os homens esta verdade deve valer para todas as pessoas. Platão, assim como Sócrates busca descobrir a verdade essencial das coisas através do conhecimento do próprio homem não enquanto corpo, mas, enquanto alma. Referente ao mundo material o homem pode ter somente a doxa (opinião) e a téchne (técnica) que permite a sobrevivência do homem, ao passo que com referência ao mundo das ideias o homem pode ter a épistheme (verdadeiro conhecimento).
     Para Aristóteles a verdade é a adequação entre aquilo que se dá na realidade e aquilo que se dá na mente. Assim Aristóteles define a verdade como correspondência no tratado Da Interpretação, no qual analisa a formação das frases suscetíveis de serem verdadeiras ou falsas. Uma frase é verdadeira quando diz que o que é, é, ou que o que não é não é. Uma frase é falsa quando diz que o que é não é, ou que o que não é, é.

     3. - “A verdade é definida como a conformidade da coisa com a inteligência”. Tomás de Aquino concluiu que a descoberta da verdade ia além do que é visível. Assim, por exemplo, uma pedra que está no fundo do oceano não deixa de ser uma pedra real e verdadeira só porque não pode ser vista. Aquino concorda e aprimora Agostinho de Hipona quando diz que “A verdade é o meio pelo qual se manifesta aquilo que é”. A verdade está nas coisas e no intelecto e ambas convergem junto com o ser.
     Sobre a eternidade da verdade, Tomás discorda em parte com Agostinho. Para Agostinho a verdade é definitiva, imutável. Já para Aquino a verdade é a consequência de fatos causados no passado. Então na supressão desses fatos a verdade deixa de existir, se afirmamos que alguém está presente e realmente esta, nossa afirmação é verdadeira, mas se esta pessoa se retira, nossa afirmação perde o sentido ou torna-se falsa.
     Martin Heidegger na conferência “A essência da verdade” diz que a verdade é desvelamento. Conhecer a verdade é deixar o ser se manifestar. É estar aberto para o ser.

     4. - Não só a filosofia e a religião, mas também as ciências se empenham na busca da verdade. A ciência tira conclusões sobre o modo que o mundo é, e o modo que a teoria científica se relaciona a esse mundo. A ciência as tira por meio de evidências de experimentação, dedução lógica e pensamento racional a fim de examinar o mundo e os indivíduos que existem dentro da sociedade. Em fazer observações dos indivíduos e seus arredores, a ciência busca explicar os conceitos que estão envolvidos com a vida diária.
     Uma questão crítica em ciência é, até que grau o atual corpo do conhecimento científico pode ser tomado como indicador do que é realmente “verdade” a respeito do mundo físico em que vivemos. É comum que muitas pessoas leigas aceitem este conhecimento como se ele fosse absolutamente verdadeiro. Os cientistas, no entanto, sabendo das deficiências de suas experiências e do fato de que as teorias se sucedem umas as outras (como por exemplo, o geocentrismo, substituído pelo hélio centrismo) sendo que o que é
aceito como verdade hoje, pode não o ser amanhã aceitam a relatividade da verdade científica.        

      5. - Quando uma pessoa na presença de um objeto nos relata o que está vendo, poderíamos dizer que está dizendo a verdade caso sua afirmação esteja em conformidade com o objeto? Nem sempre é o caso, pois a referida pessoa pode estar vendo algo não real, um sonho ou uma alucinação, por exemplo. Além disso, a imperfeição de nossa capacidade de observação e circunstâncias diversas pode fazer com que a referida pessoa se engane quanto ao objeto observado e, nem por isso deixaria de dizer a verdade. Para que uma afirmação seja verdadeira é necessária à conformidade entre quem afirma algo, com o que ela observa. Os mesmo raciocínios podem ser aplicados aos demais sentidos e, mesmo às faculdades de nosso intelecto.
      Se a simples observação de um objeto que nos é exterior, quando relacionado com a verdade, é tão complexo e difícil de precisar, maiores são as dificuldades quando observamos um acontecimento, pois normalmente se originam de ações que envolvem outras pessoas. Vejamos alguns exemplos: 1) caminhando pela rua somos surpreendidos por um desastre, a surpresa do acontecimento, o nosso posicionamento em relação ao acontecido e outras circunstâncias tornam nossa observação muito deficiente, quando indagados falamos sobre o que nos impressionou e que ficou em nossa memória, não podemos afirmar que nosso relato é perfeito, mas, podemos dizer que é o que acreditamos ter acontecido; 2) presenciamos uma briga, um dos briguentos nos é desconhecido, o outro nosso amigo, para nós é muito difícil sermos imparciais em tais circunstâncias.       
      Dos exemplos acima podemos afirmar algumas características da verdade: deve haver fidelidade ao objeto ou ao acontecimento sobre o qual afirmamos algo; deve ser imparcial, toda tentativa para embelezar, acrescentar ou subtrair aspectos do que se quer afirmar, falseia e invalida a verdade; diz respeito apenas a nossas observações, não ao fato em si.
      A realização plena da verdade acontece no testemunho, quando afirmamos ser verdadeiro o que afirmamos, mas, principalmente quando por nossas ações e por toda nossa vida demonstramos fidelidade aos princípios que professamos e aos votos e promessas que proferimos.
      Quando uma pessoa se compromete (explicita ou implicitamente) a cumprir em sua vida certas normas que irão nortear todo o seu agir e o seu viver, por exemplo, no seguir a orientação de determinada religião; no guardar fidelidade àquele (a) com quem contraiu matrimônio, o exercer a profissão escolhida com ética e dedicação, dedicar-se ao próximo, promovendo a justiça, etc., se dispõe a uma vida de entrega e amor irrestrito.
      Ao cumprir o objetivo proposto, sua vida torna-se verdade existencial, pois a verdade mais do que um conceito abstrato, mais do que a concordância entre o pensar e o ser deve se concretizar numa existência vivida no amor entre os homens, onde não haja distinções nem privilégios.
      É a Verdade existencial que deve ser procurada e tornar-se o objetivo de nossa vida.      

3. - A Vida

     1. – Ao estudar os organismos vivos, a ciência focaliza no “como” a vida surgiu e nas estruturas dos organismos vivos; não procura conhecer o “porque”, o sentido da vida. A ciência atual dá de nossas vidas a visão de que somos descendentes de símios e em última análise de bactérias, e a de que o universo é imenso e incompreensível. Esta visão não nos é agradável, ao contrario, aterradora.
     Blaise Pascal (filósofo, físico e matemático francês) nos diz “Estamos infinitamente afastados de compreender os extremos da existência, uma vez que o fim das coisas e o seu começo estão desesperançosamente escondidos de nós, encapsulados num impenetrável segredo”. É ainda Pascal que afirma: Quando considero a curta duração da minha vida, engolida na eternidade do antes e do depois, e o pequeno espaço que eu preencho, e posso ver, ultrapassado pela infinita imensidão de espaços que ignoro e que não me conhecem, fico assustado, e espantado por estar aqui em vez de lá; porque não há razão para aqui em vez de lá, ou agora em vez de então. Quem me pôs aqui? Por ordem de quem e em que direção este lugar e tempo me foram atribuídos?
     Esta visão da vida, se a considerarmos sob a perspectiva científica, embora correta, é árida e incompleta por não levar em consideração o sentido da vida. Pensadores de todas as épocas e de diferentes tradições procuraram este sentido e em sua busca para encontrá-lo chegaram a diversas soluções. Para muitos o sentido da vida está em alcançar a felicidade, o que conseguimos controlando ou eliminando nossos desejos e apegos.        

     2. - Tchuang-Tsu, filósofo taoista, diz que “Aqueles que fruem a ocasião e o momento e vivem de acordo com o curso da natureza, não são afetados pela tristeza e pela alegria”.
      Epicuro que defendeu uma filosofia de vida centrada em prazeres moderados nos diz; “O prazer é o princípio e o fim do viver feliz. Ele é o bem primeiro e inato, e é baseado nele que devemos concretizar nossas escolhas e as nossas aversões”. Epicuro também nos diz que “Devemos controlar os nossos infortúnios pela agradecida constatação do lado positivo das coisas e pelo reconhecimento de que é impossível desfazer o que está feito”.
      Muitas vezes a busca da felicidade é prejudicada pela preocupação com o passado ou com o futuro, é o que nos diz Sêneca; Os animais selvagens fogem do perigo que os envolve, e mal lhes escapam não mais se preocupam. Nós, porém, atormentamo-nos por aquilo que é passado e pelo que há-de vir. E assim aquilo que é uma benção magoa-nos, pois que a memória traz de novo a agonia do medo, e a previsão antecipa-o. Ninguém confina sua infelicidade ao presente. Sêneca nos diz também Há duas coisas – a recuperação dos problemas do passado e o medo dos problemas do futuro – que deveriam ser eliminadas das nossas vidas: a primeira porque não nos diz mais respeito, e a segunda porque ainda não o diz.
     Cícero, filósofo e político romano, diz que é feliz o sábio que com moderação e firmeza está tranquilo e em harmonia consigo mesmo, não se consumindo com os males, futilidades e entusiasmos, nem se enervando por medo, nem ardendo de desejos e cobiça.

    3. - Charles Chaplin, o imortal Carlitos, viveu com intensidade e muito refletiu sobre a vida, deixando-nos muitas pérolas, citaremos algumas:
    A vida é maravilhosa se não se tem medo dela;
   O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar.
   A beleza é a única coisa preciosa na vida. É difícil encontra-la, mas quem consegue descobre tudo.
   Não existe coisa melhor no mundo do que viver, curtir e gozar a vida, que passa rápido e daqui não levaremos nada, a não ser toda a experiência e as amizades.
   Não faça dos defeitos uma distância, e sim, uma aproximação.
   Aceite! A vida, as pessoas, faça delas a sua razão de viver.
   Entenda! Entenda as pessoas que pensam diferentes de você, não as reprove.
   Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.
   Reflitamos sobre estas palavras repletas de sabedoria e colocando-as em prática seremos mais felizes e encontraremos sentido em nossa vida.
    Se em nossas considerações nos limitarmos à vida em seu aspecto corporal e orgânico, estudando sua estrutura e funcionamento, nos  deveremos dar a palavra as ciências biológicas; mas, se nosso objetivo é considerar a vida humana em relação aos demais homens, econômica, política, histórica e socialmente então a palavra cabe as ciências sociais. No entanto, o homem não se satisfaz em compreender sua vida no aspecto temporal, quer ir mais além, compreendendo também em seu aspecto espiritual, ultrapassando as barreiras do espaço e do tempo; aí não cabe mais à ciência, mas, a filosofia e a religião.

    4. - No que diz respeito a pré-vida temos a doutrina da Reencarnação, que é uma ideia central de diversos sistemas filosóficos e religiosos, segundo a qual uma porção do ser humano é capaz de subsistir a morte do corpo. Baseia-se nas crenças de que: o ser humano tem alma, que pode ser separada de seu corpo, temporariamente no sono, e permanentemente na morte; as almas podem ser transferidas de um organismo para outro.
    A reencarnação é um dos pontos fundamentais do Hinduísmo, do Jainismo, do Culto de Tradição dos Orixás, da Teosofia, do Rosacrucianismo e da filosofia platônica e mais recentemente do Espiritismo (codificado por Allan Kardec).    
    A transmigração das almas ou metempsicose é uma teoria diferente da reencarnação que propõe que o homem pode reencarnar de modo não progressivo em animais, plantas ou minerais. Muitos reencarnacionistas não aceitam a metempsicose, inclusive os Kardecistas.
     Muitos são aqueles que não aceitando a doutrina da reencarnação, acreditam, no entanto, na vida após a morte. Esta crença, nós podemos constatar pela importância dada as cerimonias fúnebres, pelo culto dos antepassados e dos santos, pelas orações pelas almas dos defuntos, etc.
     Já na pré-história, no período Paleolítico, o Homo Sapiens Neandertal enterrava seus mortos na posição fetal, pintados e adornados com amuletos pessoais. É possível encontrar inclusive indícios da crença para além da morte.

    5. - O Culto dos mortos é uma prática baseada na crença de que o falecido tem uma existência contínua e possui a capacidade de influenciar a sorte dos vivos; na Igreja Católica, os santos são venerados como intercessores junto a Deus.
    Em algumas culturas orientais e nas tradições de nativos americanos, o objetivo da veneração dos ancestrais é garantir aos ancestrais contínuo bem-estar e, para pedir-lhes favores especiais.      
     O Culto dos mortos ocupa posição central na religião egípcia. Vamos resumir o julgamento a que o morto era submetido. Depois de ter falecido e seu corpo ter sido embalsamado, os egípcios acreditavam que a alma do morto era levada a presença de Osíris, acompanhado por quarenta e dois juízes com cabeça de animal e uma faca na mão. O morto jurava sua inocência e seu coração pesado contra a pluma de verdade, enquanto o monstro Ammut esperava para devorar o coração caso fosse condenado; sendo inocentado, sua alma entrava num local idílico; os Campos Elísios, onde a Primavera era eterna. A luta entre o bem e o mal, bem como a recompensa numa vida futura para os bons e o castigo para os maus é comum em muitas tradições religiosas.

     6. - Zoroastro (ou Zaratustra) que viveu em meados do século 7º AC e que foi o reformador das antigas tradições religiosas do Irã, pode alcançar com sua pregação um grande espaço geográfico, dando origem ao zoroastrismo que foi codificado no Avesta e se tornou a religião oficial no reinado de Dario I. Ocorreram influências diretas do zoroastrismo sobre o Ocidente, além de indireta através do judaísmo e do cristianismo.
    A doutrina fundamental do zoroastrismo é de um Deus único – Ahura Masdah, o Senhor Sábio. Mas em oposição está um princípio mau – Ahriman. A religião persa é, portanto, um dualismo metafísico, no qual o bem e o mal estão personificados e em luta eterna. O príncipe da Luz deverá vencer o príncipe das trevas, ainda que não o conseguisse destruir.
    Foi grande a influência do zoroastrismo sobre o judaísmo, assim os fariseus incorporaram as noções de ressureição, da existência de anjos e demônios, da luta entre o bem e o mal (São Miguel e a milícia celeste contra os demônios, comandados por Lúcifer ou Satanás). Os saduceus se opuseram a esta influência.
    O cristianismo também foi influenciado pelo zoroastrismo, principalmente com relação às doutrinas escatológicas, que, aliás, se difundiram nas demais religiões do mundo semita e do Ocidente em geral.

    7. - É a vida o maior bem do ser humano, mas ela chega a seu final pela morte. È comum, entre os pensadores, considerar a morte como alheia à vida com a qual não deveríamos nos preocupar. Mas, esta perspectiva não é real, pois a morte integra-se a vida, quer como seu final, quer como passagem para outra vida que aconteceria além das limitações espaço-temporais.
    Ao aproximar-se da própria morte, o homem tem diversas atitudes: uns se apegam à vida de tal maneira que querem continuar a viver apesar de sofrimentos atrozes; outros, por causa destes mesmos sofrimentos pedem que lhe tirem a vida. Parentes e amigos de quem está para morrer, fazem tudo para preservar-lhe a vida, mesmo que este já esteja inconsciente e leve uma vida só vegetativa; não parece justo abreviar a vida de quem quer que seja somente Deus é que pode fazê-lo.
    Há quem procure a própria morte: é o caso dos suicidas que desesperados, devido ao sofrimento insuportável ou, por outros motivos incompreensíveis pelas outras pessoas provocam a própria morte; outro é o caso dos que se sacrifica por um ideal, por amor ao próximo ou por motivos religiosos. Como exemplo os mártires do cristianismo e de outras religiões.
    Muitos há que, sem chegarem ao extremo de sacrificarem a própria vida, vivem de maneira perigosa e sabem que podem vir a morrer pelas mãos de outros. A morte quando acontece repentinamente, como num desastre, num assassinato ou num enfarte fulminante é mais dolorosa e menos compreensiva.
     Com relação à própria morte, uns se revoltam, outros a aceitam resignada e passivamente, outros ainda demonstram todo o medo e o terror de que é tomado. São poucos, muito poucos os que, como Sócrates, enfrentam a morte com Paz e tranquilidade; de quem está consciente de ter vivido bem e que tem a Esperança de nova vida plena de amor e felicidade.
            
4. - A Vida em Plenitude

      À pergunta de Tomé, Jesus respondeu: ”Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim.” (Jo. 14,6).
      Jesus é o caminho que nos leva ao Pai, o caminho da Salvação, o caminho para a Verdade e a Vida.
      Jesus chama os homens para serem seus discípulos: a resposta de quem quer seguir o discipulado deve ser incondicional, pois como o próprio Cristo diz “Até os animais têm uma toca para se esconderem, mas o Filho do homem, não tem nem mesmo uma pedra para recostar a cabeça”, diz também “Quem quer ser meu discípulo tome sua cruz e siga-me.”. 
     O caminho percorrido por Cristo não foi suave, não foi só flores; teve também muitos espinhos, assim deve ser o caminho do discípulo. No seu caminhar para fazer a vontade do Pai e para alcançar a salvação para os homens, Cristo encontrou muita incompreensão e mesmo perseguição, foi caluniado e acusado por crimes que nunca cometera. No final de sua vida conheceu o sofrimento das chicotadas, das cusparadas, das zombarias, da coroa de espinho, do abandono de seus discípulos e pior de tudo, sentiu-se abandonado pelo próprio Pai. Tudo suportou com paciência em obediência a Deus e por amor aos pecadores, por fim crucificado entregou sua vida nas mãos do Pai.
      Na Morte testemunhou a Verdade, alcançando o perdão para os pecados dos homens e vencendo a própria morte. Sua Ressureição veio coroar o sacrifício oferecido com amor infinito fruto de sua imensa Caridade. O discípulo de Cristo, assumindo sua própria cruz deve enfrentar os obstáculos e sofrimentos que encontrar no seu caminhar para participar com Cristo neste Caminho para o Pai.
      Jesus é a Verdade, mas não a verdade abstrata das palavras e dos conceitos; a verdade de doutrinas, conselhos e máximas morais que nos ensinam o caminho do bem, da verdade e do amor. Tudo isto é muito importante, mas insuficiente.
       Jesus é a Verdade existencial, testemunhada por sua vida e por seu amor. O discípulo de Cristo deve esquecer-se de si próprio, deixar de lado seu egoísmo, seus desejos e aspirações e colocar no centro de sua própria vida o Cristo, como o fizeram, entre outros, São Paulo e São Francisco.
        Paulo encarnou em sua vida o Cristo, de tal maneira que chegou a dizer “não sou eu mais que vivo, mas, Cristo que vive em mim”; Francisco amou e procurou imitar Cristo com tanta perfeição que recebeu em sua carne os estigmas da Cruz.      

      Jesus é a Verdade que significa fidelidade plena. Para o discípulo viver é dar sequência a fidelidade que Jesus manifestou em relação ao projeto de Deus, ao Reino de Deus. Acolhendo a Palavra de Deus, acolhe-se o projeto do Pai. Na liberdade própria dos filhos, que Deus nos concede para discernir entre o bem e o mal, a graça e o pecado. Jesus garante ser Ele próprio o dom da fidelidade ao Pai que o manda a este mundo libertar os cativos e oprimidos.
       Jesus é a Vida, Vida em plenitude que ele conquistou definitivamente com sua morte e morte de Cruz. A Vida conquistada por Cristo, ele a reparte com todos os homens através da participação no seu Corpo Místico.
       A Vida conquistada por Cristo e oferecida aos homens não tem mais as limitações próprias dos seres espaço-temporais, pois é vida eterna, plena.
       Cristo na Cruz eleva suas preces ao Pai e pede perdão para aqueles que o condenaram e, por extensão para toda a humanidade, “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”. Imensa e admirável a Caridade de Cristo, estava preste a morrer, mas, encontra forças para pedir por seus algozes. O pecado estava vencido, a reconciliação entre o homem e Deus se realizara, o homem graças ao amor de Cristo recuperara o amor de Deus.
      Cristo morre na Cruz, mas não poderia permanecer na morte; o Filho de Deus é Senhor da Vida, não da Morte. Assim sua Ressureição era inevitável, consequência lógica de sua divindade. Cristo Ressuscitou e a morte foi vencida. Uma nova esperança surgia para os homens, a Esperança de uma nova Vida, uma vida plena, não neste mundo, mas na Eternidade.
     Assim como Cristo ressuscitou, os homens também serão chamados para uma nova vida, vida plena de Amor e de Verdade.