Chamamos espiritualidade ao conjunto de
meios e atitudes que nos permitem aperfeiçoar, direcionar e concretizar nosso
“eu interior” ou espiritual. São inúmeras as escolas de espiritualidade quer no
âmbito do cristianismo, quer fora dele; vamos nos restringir em nosso estudo ao
cristianismo, mais precisamente ao catolicismo.
No seio da Igreja católica encontramos as
assim denominadas espiritualidades inaciana, beneditina, laica, tridentina
entre muitas outras, cada uma com suas próprias características. Ao escolhermos
o ser franciscano, optamos pela sua espiritualidade; é preciso conhecer as suas
características que a tornam distintas das demais.
Antes de qualquer coisa ser franciscano é
ser discípulo de Cristo sob a ótica de São Francisco de Assis. O que São
Francisco destacou em seu discipulado ao Cristo e nos deixou como exemplo para
que o seguíssemos? Primeiramente, S. Francisco nos exorta ao discipulado de
Cristo, nunca a que nos tornássemos seus discípulos; São Francisco viveu como
um discípulo apaixonado que nos indicou o caminho, nunca quis ser ele próprio o
mestre.
São
Francisco foi apaixonado pela humanidade de Cristo, deixou-nos as devoções ao
presépio e à via sacra. Enquanto outros ressaltavam a divindade, ou, a realeza
de Cristo. São Francisco ressaltava sua humanidade e humanidade sofredora.
São
Francisco tinha profundo respeito pelos sacerdotes, mesmo quando estes eram
pecadores e indignos de exercerem seu ministério, São Francisco os respeitava e
ensinava a seus discípulos que também assim o fizessem, pois a grandeza do
sacerdócio não está em quem o exerce, mas no sacerdócio em si.
Assim como aos sacerdotes, era profundo
o respeito de São Francisco pela hierarquia eclesiástica. Não era cego, via os
desmandos que eram cometidos por muitos dignatários; mas, sabia respeitar a
autoridade sem concordar com seus erros. Ao contrario de Lutero e de tantos
outros, não abandonou a Igreja, mas mantendo sua fidelidade, com seu exemplo
ajudou a retificar seu caminhar, corrigindo seus erros.
São Francisco amava as criaturas, pois
elas eram degraus que nos levam até Deus. Ao contrário de outras escolas de
espiritualidade que nos ensinam a nos afastar dos bens terrenos, principalmente
daqueles produzidos pelo engenho humano para encontrarmos a Deus na meditação e
na oração realizada na solidão, a espiritualidade franciscana não desconhecendo
o valor da meditação e da oração, a exemplo de Francisco, nos ensina a
valorizarmos as criaturas e amá-las para que nos ensinem o caminho até Deus.
Não foi atoa que São Francisco foi ‘entronizado’ patrono da ecologia.
São Francisco amava todos os homens,
tinha o coração aberto e ecumênico, haja visto seu encontro com o Sultão sem
levar armas, seu único armamento era o amor.
A espiritualidade franciscana
caracteriza-se pelo ecumenismo, mas um ecumenismo abrangente que abrigue os
fiéis de todas as religiões, cristãs e não cristãs, até mesmo os ateus; Cristo
morreu por todos.
Pobreza Franciscana. Vamos refletir um
pouco sobre este tema; todos falam em pobreza franciscana, mas o que isso
significa? Não é pobreza extrema, pois multidões vivem num estado de pobreza
bem mais radical que os franciscanos; não é também pobreza voluntária, pois consagrados
de diversas ordens e congregações também pronunciam o voto de pobreza, mesmo
fora do cristianismo.
Aliás, por falar naqueles que procuram
a prática voluntária da pobreza e para citarmos apenas alguns poucos exemplos,
temos os renunciantes que tudo abandonam para viverem na floresta longe da
civilização; temos também os monges budistas e jainistas que abraçam uma
pobreza bem radical que os consagrados do cristianismo e, entre estes os “Digambaras”
(uma das divisões do jainismo), que para expressar sua pobreza radical, os
homens não usam qualquer tipo de vestimenta.
Seria então a pobreza franciscana
caracterizada pelo combate a injustiça e a pobreza? É verdade que muitos
franciscanos se engajam nesta luta meritória, mas não é característica
franciscana, na própria Igreja temos a Doutrina Social da Igreja (DSI) que foi
elaborada aos poucos em resposta aos socialismos e ao marxismo como um
complemento das obras de misericórdia, culminando com a declaração da ‘opção
preferencial pelos pobres’.
Na história, entre os chineses
enquanto os discípulos de Confúcio elaboravam toda uma filosofia voltada para
os aristocratas, os ‘Moistas’ desde tempos remotos apresentavam doutrinas em
defesa dos mais pobres e em
Roma, o Tribuno da Plebe defendia
junto ao senado os interesses dos menos favorecidos.
Onde então encontraremos a essência
da pobreza franciscana? É São Francisco quem nos dá a resposta: enquanto uns,
viviam na pobreza porque não podiam escapar de suas garras; outros a procuravam
para encontrar a própria libertação; outros ainda a combatiam para tornar o
mundo mais justo e menos desigual São
Francisco assim como Cristo se fez homem entre os homens, se fez pobre entre os
pobres e amou a pobreza até ao ponto de seu casamento místico com a ‘Senhora
Dona Pobreza’. Aceitar a pobreza, mesmo contra a vontade, da mesma tentar
libertar-se, combatê-la em nome da justiça e da fraternidade muitos o fizeram,
mas amar a pobreza, só São Francisco.
Mais do que a pobreza, o franciscanismo
deve se destacar pela minoridade. São Francisco quis que seus seguidores fossem
chamados irmãos menores. Minoridade é a característica de quem se põe ao
serviço, minoridade é a pobreza do ser, é tornar-se vazio de si próprio, para
deixar-se preencher pelo outro e, sendo preenchido pelo outro, seremos tomados
por Deus; tomados pelo Amor.
Outras características poderão serem
elencadas para nossa análise da espiritualidade franciscana, mas pensamos que
estas são suficientes para uma primeira visão, que poderá ser aprofundada.