Perante a realidade inconteste do sofrimento
que atinge todos os seres vivos e especialmente toda a humanidade, o homem
pergunta: Por que existe o sofrimento? Qual sua causa? Tem algum sentido? Como
poderemos evitá-lo? Como cessá-lo? É possível uma existência livre do
sofrimento?
Para responder a estas e a outras perguntas
similares, muitas são as respostas que foram elaboradas por homens de todas as
épocas e de todas as ideologias.
A causa do sofrimento físico nós encontramos
na própria natureza e nos instrumentos e artefatos produzidos pelo homem: são
os diversos vírus que atacam o homem, provocando doenças; os desastres e as
catástrofes que trazem a morte e a destruição; a falta de higiene e de
alimentação adequada; a falta de segurança nas moradias e nos veículos de
transporte, etc., etc.. A incompreensão e a injustiça causam também sofrimento
de natureza psíquica e social.
O sofrimento é universal não respeita nem
ricos, nem pobres; nem adultos, nem crianças; nem bons, nem maus , devido a
falta de recursos em combatê-lo e em preveni-lo atinge, preferencialmente, os
mais pobres, os indigentes.
A existência do sofrimento e de suas causas
naturais nós constatamos facilmente, mas, por que existe? Não seria mais
compreensível um mundo sem sofrimento?
Muitos encontram a causa do sofrimento no
pecado, do qual seria conseqüência como nos ensina a narrativa do pecado
original no Gênesis e também a passagem da cura de um cego de nascença, quando
os fariseus perguntam a Cristo sobre quem teria pecado se o próprio cego ou
seus pais? Em diversas religiões orientais, nas quais se professa a crença na
Reencarnação, a lei do Karma diz que
pagamos nesta vida o mal que cometêramos em vidas passadas.
Constatado o sofrimento queremos superá-lo e
alcançar uma vida de bem-aventurança, onde o mesmo não exista. Alguns,
confiando no progresso da Ciência esperam o dia em que todas as doenças
encontrem a cura e a vida se prolongue por muitos anos e, os mais otimistas e
ingênuos acreditam mesmo na superação da própria morte, alcançando a
imortalidade por meios naturais; outros esperam, após uma vida justa e
virtuosa, tornarem a viver no paraíso livres de qualquer sofrimento.
Muitos preocupados com seus próprios
problemas, que ocasionam diversos tipos de sofrimento e, não focalizando sua
atenção no sofrimento dos demais, nem no seu aspecto social e universal,
procuram encontrar solução para seus males consultando magos, médiuns, pajés,
xamãs ou feiticeiros. Acredita-se que possam entrar em contato com entidades
sobrenaturais, fonte dos sofrimentos, bem como de sua extinção.
No período helenístico, quando os filósofos
mudam o centro de suas preocupações do Cosmo
para o homem, procura-se afastar
e vencer o sofrimento através de uma atitude hedonista procurando desfrutar de um prazer moderado sob o governo
da razão como entre os epicuristas ou, procura-se alcançar uma total
indiferença e a impertubalidade “ataraxia”
entre o prazer e o sofrimento como, por exemplo, entre os estóicos.
Nesta
procura de se encontrar a causa do sofrimento no sobrenatural, em algumas
religiões estabeleceu-se a crença em dois seres (deuses?), um do bem, outro do
mal que se digladiam entre si, sendo que no final dos tempos o bem seria
vitorioso. Um exemplo desta maneira de explicar a existência do mal, nós
encontramos no zoroastrismo e nas religiões pré-zoroástricas.
Para Zoroastro Ahura Mazda é o Deus supremo, mas ele tem um inimigo Ahriman, responsável pelas doenças,
pelos desastres naturais, pela morte e por tudo o que é negativo. Ahriman não deve ser visto como um deus,
mas como uma energia negativa que se opõe a energia positiva de Ahura Mazda, no final o bem triunfará. A
influência do Zoroastrismo sobre o judaismo e o cristianismo foi muito grande,
como exemplo a luta entre os anjos maus comandados por Lúcifer e os anjos bons
comandados por Miguel Arcanjo.
Perante o sofrimento, os hindus almejam
alcançar a absoluta felicidade, Moksha, ou
liberação do Sansara, o ciclo da
vida, morte e reencarnação, libertando-se assim de todo o sofrimento e da lei
do karma.
Os jainistas partilham da
crença no karma, mas para os
jainistas o Karma é também uma
substância física que se agrega a uma alma devido as suas ações.Só é possível
para uma alma alcançar a libertação quando desta se retirarem todas as
partículas de karma. O processo que
permite tal libertação inclui práticas como o jejum, o retiro para locais
isolados, a mortificação do corpo e a meditação.
A base de todo o ensinamento budista é a doutrina
das quatro nobres verdades que são as seguintes, segundo o ensinamento de Buda.
1- A
primeira nobre verdade: “... envelhecimento é sofrimento, morte é
sofrimento; tristeza, lamentação, dor angústia e desespero é sofrimento; a
separação daquilo que é prazeroso é sofrimento; não obter o que queremos é
sofrimento; em resumo, os cinco agregados influenciados pelo apego é
sofrimento. (...)”
2- A
segunda nobre verdade: “ a origem do sofrimento é este desejo que conduz a
uma renovada existência, acompanhada pela cobiça e pelo prazer, aqui e ali;
isto é, odesejo pelos prazeres sensuais, o desejo de ser/existir, o desejo de
não ser/não existir (...)”
3- A
terceira nobre verdade: “..é o desaparecimento e a cessação sem deixar
vestígios daquele mesmo desejo, o abandono e ren´ncia a ele, a libertação dele,
a independência dele (...)”
4- A
quarta nobre verdade: “... é o caminho que conduz a cessação do sofrimento,
é este Nobre Caminho Óctuplo: entendimento
correto, pensamento correto, linguagem, ação correta, modo de vida correto,
esforço correto, atenção plena correta, concentração correto. (...)”
(Wikipédia, verbete Budismo.)
Com a vivência do caminho óctuplo o budista
alcança o Nirvana, (total cessação de
todo desejo e de todo sofrimento).
Uma tentativa de compreender e explicar a
existência do sofrimento nós encontramos em outras religiões e em outras
filosofias, mas, todas focalizam apenas o aspecto negativo do sofrimento e na
maneira de eliminá-lo. Resta-nos uma pergunta: Será que não há nada de positivo
no sofrimento?
O sofrimento apresenta também aspectos
positivos, quando sob a ação do mesmo o homem volta-se para si e reflete sobre
sua própria realidade que se lhe apresenta frágil e limitada; o homem não pode
conseguir tudo o que quer e reconhece suas limitações e deficiências, assim
perde a prepotência e a auto-suficiência.
O constatar o sofrimento do próximo, lhe
desperta sentimentos de compaixão e solidariedade. Perante as grandes tragédias
ou, ao presenciar a dor de quem agoniza o homem não permanece indiferente, não
consegue se isolar em seu pequeno “eu”.
Assim como o fogo nos altos fornos purifica
os metais de suas impurezas, o sofrimento quando aceito com amor e resignação
contribui para o crescimento interior do homem e torna-o desperto para a vida e
para a existência.
Ao existir, o homem livremente constrói a
sua personalidade, isto ele o faz enfrentando desfios e obstáculos em meio a
sofrimentos de toda a espécie. O sofrimento para ser vencido torna o homem
tenaz e persistente, aumenta-lhe a corragem e propicia-lhe maior criatividade.
É no entanto, relacionando-o com o amor que
melhor podemos compreender o valor do sofrimento, pois como nos ensina Sta.
Tereza de Jesus “Tudo o que se sofre por
amor, por amor se cura”.
Quantas pessoas dedicam toda
uma vida de renúncia e privações para trazer um pouco de felicidade ao próximo,
as vezes que nem mesmo conhece. E o que dizer dos que sacrificam a própria vida
pelo outro ou por um Idea? Nestes e em muitos outros casos o sofrimento adquire
uma dimensão positiva que não só o justifica, mas chega a torná-lo aceitável.
Amais completa e perfeita realização do
valor positivo do sofrimento encontramos no sacrifício redentor de Cristo. No
Calvário, Cristo assume, livremente num supremo gesto de amor pelos pecadores,
o sofrimento da paixão e a morte na Cruz. Assim em Cristo o sofrimento
tornou-se ocasião para a salvação dos homens.
Para encerarmos nossa reflexão sobre este
tema do sofrimento vamos focalizar sobre o que nos ensina Buda e Cristo.
Sidarta Gautama após uma
infância e juventude vivida no meio da riqueza e do luxo, tendo entrado em contato com a doença,
a velhice e a morte decide abandonar tudo torna-se um renunciante, vivendo uma
nova vida, repleta de sacrifício, sofrimento e carência mas esta maneira de
viver também não satisfaz e Sidarta abandona a miséria, da mesma maneira como
abandonara a fartura. Estando a meditar, debaixo de uma figueira, encontra
finalmente a libertação e torna-se Buda.
Poderia tudo abandonar e
ingressar no Nirvana, mas movido pela
compaixão decide permanecer na existência e durante muitos anos ensina aos
discípulos o caminho que os leva a libertação de todo o sofrimento. Ainda hoje,
milhares são aqueles que seguem os ensinamentos de Buda. Deixou esta vida e ingressou no Nirvana rodeado por seus discípulos. O santo jainista Mahavira percorreu um caminho similar so
de Buda.
Já Cristo após uma vida oculta
em Nazaré, aos trinta anos recebe o batismo no rio Jordão por João Batista e
inicia sua vida pública. Por palavras e gestos (milagres) anuncia aos pobres a
libertação e questiona os poderosos (fariseus e saduceus). Amado pelo povo e
odiado pelos poderosos foi preso, torturado e condenado a morte, morte na Cruz. Obediente ao Pai e por amor aos
homens aceitou livremente os sofrimentos da paixão e até mesmo a morte, mas Ressuscitou vencendo a morte e o pecado.
Com a morte de Cristo o sofrimento apresenta
uma face positiva e todos os que dedicarem o próprio sofrimento so sofrimento
de Cristo, torna-o meritório, capaz de
contribuir, misticamente para a conversão dos pecadores.
Cristo
ao aceitar o sofrimento, mostra-nos que este não é totalmente negativo, mas
possui uma face positiva de valor inapreciável.